NAPOLEÃO BONAPARTE - Militar, Estadista, Imperador : 1769-1821.


1769: Nasce em Ajácio, Córsega, em 15 de Agosto. - 1779: Escola militar de Brienne. - 1784: Artilheiro na escola militar de Paris. - 1789: Revolução Francesa; na Córsega, tem papel activo na resistência. - 1793: Comanda um batalhão de artilharia em Toulon. - 1794/95: Brigadeiro, participa na campanha de Itália. Comanda a guarnição de Paris, esmaga insurreição monárquica, salva a Convenção, que o designa general-em-chefe do exército do interior. - 1796/97: Comandante-em-chefe do exército de Itália. Casa com Josefina. Vitórias em Nice, Lodi, Milão, Arcole, Rivoli. - 1798: Campanha do Egipto. - 1799: É eleito primeiro cônsul. - 1800: Batalha de Marengo. - 1802: Cônsul vitalício. - 1804: Napoleão e Josefina coroados imperadores de França. - 1805: Batalhas de Trafalgar e de Austerlitz. - 1806: Em 21 de Novembro ordena o bloqueio a Inglaterra. - 1810: Casa com a princesa Maria Luísa de Áustria. - 1812: Invade a Rússia mas retira no Inverno. - 1814: Abdica em Abril; parte para a ilha de Elba. - 1815: Regressa a França; fuga de Luís XVIII. Cem dias de governo, derrota em Waterloo. Abdica. Exílio na ilha de Santa Helena, onde morre em 5 de Maio de 1821.
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«AH! SE O NOSSO PAI NOS PUDESSE VER!»
2 de Dezembro de 1804. Na Notre-Dame, Napoleão vai transformar-se no imperador dos Franceses. Ali, perante os seus olhos, está toda a família Bonaparte, a mãe, os irmãos e as irmãs, os cunhados. Carlos Magno teve de ir a Roma para ser coroado imperador. Ele é suficientemente poderoso para exigir ao papa que se apresente em Paris. Pio VII suporta a humilhação e submete-se.
"Ah, se o nosso pai nos pudesse ver neste momento", diz Napoleão a seu irmão José. Com esta frase recorda o caminho percorrido nos últimos dez anos por si e por sua família: aquele conjunto de rostos morenos que, entre príncipes e embaixadores, marechais e altos dignitários, o fita da nave central. Que o seguiu desde a pequena Ajácio até esta catedral. Até à glória.
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OS ANOS DA JUVENTUDE
Em 1768 o estado genovês vendeu a Córsega à França. Em 1769 nasce Napoleão. Muitos conselheiros desaprovaram a compra a Luís XV. Se o rei lhes tivesse dado ouvidos, o que seria de Napoleão? E da França?
Carlos Bonaparte, de origem italiana, é um notável da ilha. Vive modestamente com a sua família. Aos dezoito casara com Letícia Ramolino, filha de um funcionário do governo genovês. Quando os franceses tomam posse da ilha, o general Pasquale Paoli desencadeia a luta de resistência. Este líder corso irá ser o ídolo da juventude de Napoleão que, com nove anos, entrará na escola militar de Brienne. O pai viera para França como deputado pela Córsega e conseguira três bolsas para os filhos. Segundo Bainville, o carácter do jovem fortalece-se na escola de Brienne, "pois sofre a grande prova dos espíritos orgulhosos, ardentes e tímidos, ou seja, o contacto com estrangeiros hostis." Os seus camaradas alcunham-no de la-paille-au-nez, pois pronuncia o seu nome com acento corso, o que soa como "Napolioné". É uma criança triste, sensível, pouco amante das brincadeiras próprias da idade. Não é um aluno brilhante. Um dos seus professores define-o como "uma rocha de granito aquecida por um vulcão". Em 1785 passa um exame para entrar em artilharia. O examinador anota: "corso de carácter e de nascimento, este rapaz poderá ir longe se as circunstâncias lhe forem favoráveis". Nesse ano, morre Carlos Bonaparte com um cancro no estômago. Letícia fica sem recursos, com a família a seu cargo; mas Napoleão já só tem mais um exame antes de começar a receber soldo do exército. Dezasseis anos e ei-lo oficial. Não deslumbra o professor que o examina, o ilustre Laplace. Mas está contente consigo próprio. Do pequeno corso, que só falava o dialecto da sua ilha, ao oficial do exército real foi um grande passo. Em Valence, praça onde é colocado, lê poucos livros militares. Prefere literatura política, principalmente Rousseau. Nele procura argumentos para libertar a Córsega - o mito de Paoli continua a obcecá-lo. Consegue uma licença e vai passá-la à ilha, levando um baú cheio de livros: Tácito, Montaigne e Corneille, que recita de memória. Sonha escrever uma história da Córsega. O que mais deseja é vir a ser um homem de letras.

A ESTRELA COMEÇA A BRILHAR

1789, ano da Revolução Francesa. Distúrbios por todo o país. Também na Borgonha, onde está colocado. Mas ali quem manda é o tenente Bonaparte. Repressão dura. Ameaça disparar. Não hesitará nem um segundo em cumprir a ameaça - prefere a injustiça à desordem. Detém os cabecilhas. Encerra-os num calabouço. Rebelião sufocada. No entanto, esta não é a sua revolução. Francês "de segunda", soldado do rei por ofício, o que lhe interessa é aproveitar a situação para libertar a Córsega. É espectador da Revolução. Solicita contínuas licenças para "ir a casa". Entre Setembro de 1789 e Junho de 1793 está quase sempre na ilha e intervém nos pequenos conflitos locais. O que provoca o seu afastamento do exército francês. Tem de mover influências para ser reincorporado. Também consegue ser promovido a capitão. Em 10 de Agosto, ao ver Luís XVI à janela com o barrete frígio na cabeça, grita: "Che coglione!". Se pudesse, teria aberto fogo contra esta "vil canalha". Aos vinte e quatro anos perdeu a fé nos ideais revolucionários defendidos pelos filósofos. De agora em diante irá chamar-lhes, depreciativamente, ideólogos. Desprezará definitivamente as teorias. Só uma coisa lhe interessa: a acção. A França mergulha na anarquia. Talvez a queda do rei favoreça a independência da Córsega. O colégio onde estuda a sua irmã Elisa fecha as portas. Bom pretexto para regressar levando a irmã para casa.

Em 1793, os exércitos franceses, tendo repelido a invasão, conquistam a Bélgica, a Sabóia e Nice. Pretendem agora anexar a Sardenha. Tropas francesas reforçadas com voluntários corsos. Eis uma boa oportunidade. Com muita habilidade, Napoleão consegue ser nomeado tenente-coronel e participa na expedição à frente da artilharia. Mas, entre os voluntários corsos, há gente de Paoli apostada em fazer fracassar o empreendimento. Os marinheiros amotinam-se, parte dos corsos rende-se. Bonaparte, raivoso, tem de retirar abandonando os canhões. No entanto se, por um lado, assina um protesto dos oficiais contra esta vergonhosa retirada, por outro manda uma carta muito amável e solidária ao cabecilha infiltrado por Paoli na expedição. Contudo, este cuidado não evita que na Córsega os Paoli declarem a vendetta contra os Bonaparte, acusados de serem aliados dos Franceses. Napoleão escreve a sua mãe: "Prepare-se para fugir, esse país não é para nós". Letícia consegue abandonar a casa pouco antes de ela ser destruída. A família refugia-se primeiro em Calvi, depois em Toulon e, finalmente, em Marselha. Passam por grandes problemas económicos. Mas Letícia, ainda jovem e bonita, torna-se amante de um marselhês comerciante de tecidos. José irá casar-se com Marie-Julie, uma das filhas deste homem. Um dia será rainha de Espanha. Napoleão gostaria de ter casado com Désirée, a mais nova mas, segundo se conta, Clary, o pai, pensa que já basta um Bonaparte na família e o pretendente é apenas um capitão pobretana e sem futuro. Assim impede Désirée de vir a ser imperatriz. Em todo o caso, ela irá casar-se com Bernadotte, um ex-sargento, e virá a ser rainha da Suécia. Napoleão, que continua a sonhar com as letras, escreve Clisson et Eugénie, um romance em que relata a história dos seus amores com Désirée. Por ora, Napoleão, à falta de melhor, irá servir a Revolução em postos mais do que secundários. Como a sua carreira militar marca passo, refugia-se na escrita e escreve a mais aguda e sugestiva das suas obras - Souper de Beaucaire, um texto apologético da Convenção. A literatura faz o milagre: a obra agrada aos comissários da Convenção e o autor é nomeado comandante do batalhão que assedia Toulon, cidade sublevada e que pedira ajuda aos Ingleses. O exemplo frutifica, Lyon também já arvora a bandeira branca dos monárquicos. É preciso cortar o mal pela raiz. Napoleão dispõe as baterias de forma a poder lançar bombas incendiárias sobre os barcos sitiantes. Obriga-os a abandonar o porto. Dispara pessoalmente um dos canhões e fica ferido. É promovido a general de brigada por proposta de Salicetti e de Robespierre. A sua estrela começa a brilhar...

O GENERAL BONAPARTE

Mas ainda tarda o começo de uma grande carreira militar. Durante a Revolução muitos generais de brigada são facilmente nomeados e destituídos. Ganhou o apreço de Robespierre. Mas quanto tempo se aguentará este no poder? Participa na campanha de Itália. O seu génio militar começa a dar nas vistas, mas chega o 9 de Termidor e o fim do Terror. Robespierre é deposto. Napoleão é detido por ordem do seu amigo Salicetti. Tempos de revolução, amizade frágil... Depois é libertado. Mas consideram-no suspeito. Em 1795, as autoridades de Paris afastam-no da frente italiana e destinam-no ao exército da Vendeia, infantaria. Recusa. "A artilharia é que é a minha arma". Tempos difíceis. José envia-lhe algum dinheiro. Junot, seu ajudante de campo, reparte com ele os escassos recursos. Quer casar-se com a bela Pauline Bonaparte mas Napoleão convence-o a desistir: "Tu não tens nada, ela nada tem. Qual é o total? Nada."

Setembro de 1795. A sua negativa indispôs os ministros. Uniforme puído, anda de repartição em repartição, de antecâmara em antecâmara. Prova de novo o gosto amargo do fracasso. Em Toulon esteve quase a ganhar as alturas, voltou a cair. Pensa alistar-se no exército otomano, o sultão paga bem. Porém, o destino não quer que ele venha a ser paxá. Dias mais tarde a Convenção vai necessitar de um general enérgico. O Termidor liquidara o Terror e pusera Barras no poder. Uma nova Constituição foi redigida. Mas, liquidado o terror vermelho é preciso que o terror branco não se implante. Apesar dos seus últimos actos, os novos dirigentes foram cúmplices na execução do rei. Só o exército pode salvar a situação. Barras quer um técnico a seu lado. Napoleão é o escolhido. A Convenção autoriza. "Bonaparte? Quem é este tipo?", perguntam os soldados. Comentam o uniforme descuidado, o cabelo comprido e despenteado e, sobretudo, a sua grande actividade. "Parecia estar em todo o lado ao mesmo tempo", dirá Thiébault nas suas Memórias, "a autoridade das suas decisões assombrou todos e levou-os da admiração à confiança." A Convenção só tem 8000 homens para enfrentar 30 000 rebeldes. Mas é Bonaparte quem comanda. Em 13 do Vindimário (5 de Outubro), os insurrectos são metralhados sem descanso. Na escadaria da Igreja de Saint-Roch deixam cerca de 400 mortos. Massacre e os outros desistem. Bonaparte salva a Convenção. Irá ser conhecido como o "general Vindimário", célebre pela rapidez das suas decisões. É colocado à frente do exército do interior. Finalmente a águia ganha as alturas.

É então que conhece Josefina de Beauharnais, uma crioula graciosa ("pior do que se fosse bonita", dirá alguém), viúva de um general guilhotinado durante o Terror. Tem 32 anos, mais 6 do que Bonaparte. Casam em 9 de Março de 1796. Ambos falseiam as idades para reduzir a diferença. Prenda de casamento: Barras oferece ao jovem general o comando supremo do exército de Itália. É o que ambiciona há muito tempo. Chega a Nice. O exército francês, menos numeroso que o inimigo austríaco e piemontês, está faminto, mal municiado, descalço e esfarrapado. Os generais mais antigos mostram-se insolentes para aquele rapazito insignificante, baixo, mal uniformizado, de cabelo comprido, com acento corso. Mas Napoleão é quem manda, não haja dúvidas. Severo, mantém-os à distância. Afável com os soldados, devolve-lhes a esperança, arenga à moda antiga, própria de quem leu Plutarco e Tito Lívio: "Soldados, estais nus e mal alimentados. Eu levar-vos-ei às planícies mais férteis do mundo. Ricas províncias e grandes cidades cairão em vosso poder. Ali ireis encontrar honra, glória e riqueza."

Embora não tenha experiência na movimentação de grandes unidades, aprende rapidamente. Improvisa, sobretudo. "É preciso ser mais forte do que o inimigo num ponto e atacar nesse ponto". As vitórias sucedem-se: Nice, Lodi, Milão, Arcole, Rivoli. Dias gloriosos! Napoleão dirá depois a um amigo: "Via girar o mundo aos meus pés, como se andasse pelos ares." Luta como um tigre. Vitórias ensombradas pelos tormentos que Josefina lhe causa. É um marido ciumento, escreve à esposa cartas inflamadas: "Não sabes que sem ti, sem o teu coração, sem o teu amor, não existe para o teu marido nem felicidade, nem vida?..."... "Longe de ti as noites são longas, tristes e melancólicas. Junto de ti, desejo que seja sempre noite." Josefina não percebeu ainda que está casada com o homem mais poderoso do seu tempo. Engana-o com um tal Charles, anónimo e medíocre, mas ao qual, segundo um contemporâneo, a história deve a fúria selvagem que caracterizou a campanha de Itália. Vinte e um meses depois de ter saído da capital, o soldado desconhecido transformou-se num herói nacional. E a família começa a ser colocada: José é comissário da República em Parma; Luciano é comissário de guerra; Luís é seu ajudante de campo em Itália. Letícia vive em Paris com as filhas. Os detractores dizem que Napoleão teve sorte, mas ele não acredita na sorte. Acredita na sua estrela, o que é diferente, pois significa saber aproveitar as circunstâncias, uma das características do génio.

O PRIMEIRO CÔNSUL

"Soldados, do alto destas pirâmides, quatro mil anos vos contemplam!", diz Napoleão às suas tropas antes da batalha das Pirâmides. A campanha do Egipto é necessária para enfraquecer a Inglaterra. Dificuldades na travessia de um Mediterrâneo dominado pela armada inglesa, mas o desembarque é um êxito. Os mamelucos, milícia turco-egípcia, são vencidos. Porém, a esquadra francesa em que as tropas fizeram a travessia é destruída por Nelson na baía de Abukir. Ficar isolado no Egipto? Não se atemoriza: "Quanto tempo passaremos no Egipto? Alguns meses ou seis anos... Só temos vinte e nove; teremos então trinta e cinco. Se tudo correr bem, estes seis anos ser-me-ão suficientes para chegar à Índia." Os Turcos avançam na Síria para o expulsar do Egipto? Pois bem, irá ao seu encontro, sublevará os cristãos do Líbano, avançará sobre Constantinopla e dali irá até Viena, conquistando a Europa pela rectaguarda; isto se não se decidir a conquistar a Índia. Este é o sonho, mas a realidade é diferente: vence os Turcos, mas é detido em São João de Acre. As muralhas são sólidas e Bonaparte não dispõe de artilharia suficiente. Furioso, manda queimar as colheitas e matar todos os prisioneiros que não pode transportar: "Um homem de Estado não tem o direito de ser sentimental". Marido ciumento, a infidelidade de Josefina já foi tornada pública. Os Ingleses apoderaram-se de algumas cartas ridículas e publicaram-nas na imprensa. Numa delas, pede a José que lhe encontre um lugar no campo onde se possa isolar, pois está farto da natureza humana: "Preciso de solidão e de isolamento, a grandeza aborrece-me, os meus sentimentos estão secos, a minha glória fenece; aos vinte e nove anos esgotei tudo".

A situação em França degrada-se de dia para dia. No Outono de 1799 deixa as tropas no Egipto e enfrenta as dificuldades da travessia de um Mediterrâneo dominado pelos Ingleses. Quando desembarca depara-se-lhe um país diferente do que deixara. A maioria da população hostiliza o Directório. Taine diz: "a jovem República sofre de degenerescência senil. Ninguém faz qualquer esforço para a derrubar, mas parece já não ter forças para se manter de pé." O trio de sacerdotes (Sieyès, Fouché e Talleyrand) que constitui a trave mestra do Directório, pensa ser necessário um golpe de Estado. Para o êxito precisam de Bonaparte, de "alguém capaz de violar a lei, mas respeitando-a". E o 18 de Brumário (9 de Novembro de 1799), demite os membros do Directório, substituindo-os por três cônsules: Bonaparte, Sieyès e Roger Ducos. Em breve irá assumir todo o protagonismo. Os outros dois passarão para segundo plano. Fevereiro de 1800, plebiscito. De três milhões de eleitores apenas mil e quinhentos votam "não". Aberto o caminho para o poder ditatorial. Um homem eleito por um período de dez anos governa, nomeia e demite ministros, magistrados e funcionários. É como que uma "monarquia pessoal". Para as massas, a constituição tem um nome: Bonaparte. Muitas das actuais instituições da França vêm deste período - o Instituto de França, a divisão administrativa, o Conselho de Estado, etc. Uma concordata assinada com a Santa Sé, põe fim ao diferendo entre a França e a Igreja. Napoleão pensa que "a religião tem uma grande utilidade para os governantes, pois ajuda-os a manobrar as pessoas".

As vitórias militares e diplomáticas continuam. Coalizão de várias potências europeias contra a França, segunda campanha na Itália. Em 1800, à frente de 60000 homens, Napoleão atravessa os Alpes e derrota os Austríacos em Marengo. Em Amiens, em 1802, assina a paz com os Ingleses. Cessam provisoriamente as hostilidades na Europa. Os novos êxitos valem-lhe o título de cônsul vitalício. "A minha política é a de governar os homens como a maioria o deseje. Esta é, segundo eu julgo, a maneira de reconhecer a soberania do povo." Contudo, nem todos o amam. Em 24 de Dezembro de 1801, livrara-se por escassos segundos de morrer com a explosão de um carro carregado de pólvora na rue Saint-Nicaise. Quando o Senado lhe oferece a coroa imperial, os Franceses não se surpreendem. Para eles, o Império é a continuação natural do consulado. Voltamos à Notre-Dame. À sua frente, Josefina ajoelha e ele vai impor-lhe a coroa (casados civilmente há oito anos, só à chegada do papa para a cerimónia da coroação dizem ao pontífice não estar unidos pela Igreja. Por isso o casamento realizou-se ontem à noite, à pressa, no Louvre). Napoleão jura, sobre a Bíblia, manter a liberdade, a igualdade, a propriedade de todos os que adquiriram bens nacionais e a integridade territorial legada pela República. Desde há mil anos que o papa tem o privilégio de coroar os imperadores. Porém, no momento crucial, Bonaparte rompe a tradição: ele próprio toma a coroa do altar e a ergue nas suas mãos - ninguém, nem mesmo o papa, é suficientemente grande para o fazer imperador (o papa irá protestar e pedir que o incidente não seja mencionado no Moniteur. Napoleão condescenderá). Ah, se Carlos Bonaparte pudesse ver agora os seus filhos, a sua família, no meio desta corte faustosa!

A ETAPA TRIUNFAL


Napoleão acreditou que, ao fazer-se coroar na Notre-Dame pelo papa, seria admitido no círculo dos soberanos legítimos. Poderia assim abrandar a crispação internacional. Ilusão! A aristocracia europeia está decidida a fustigar a arrogância do "soldado de fortuna". Uma nova coalizão, encabeçada pelos Ingleses, confronta-se de novo com a França. Napoleão projecta a invasão da Grã-Bretanha, mas vê-se obrigado a pôr de parte o seu intento, após a destruição da esquadra franco-espanhola pelo almirante Nelson em Trafalgar. Dirige em seguida os seus exércitos para o centro da Europa e aniquila as tropas austro-russas na maior vitória da sua carreira militar: a batalha de Austerlitz, em 1805. No dia seguinte ao da batalha, o próprio imperador austríaco lhe solicita um armistício. Em 1806, a Prússia é vencida em Iena. "Querida", escreve ele a Josefina, "utilizei uma excelente estratégia contra os Prussianos. Ontem obtive uma grande vitória. Estive muito próximo do rei da Prússia; por pouco não o consegui aprisionar, a ele e à rainha... Sinto-me maravilhosamente bem." Em 1807, o czar da Rússia negoceia a paz no acordo de Tilsit. Estas vitórias permitem a formação de um vasto império, com estados governados por parentes, amigos e aliados do imperador. Napoleão nomeia-se rei de Itália (Norte da península), ocupa os Estados Pontifícios, cede a Holanda ao seu irmão Luís, Nápoles a José (mais tarde entregue a Murat, casado com uma irmã de Bonaparte) e a Vestefália a Jerónimo, a quem obriga a anular o casamento com uma americana para poder desposar a princesa Catarina de Württemberg; Eugène de Beauharnais, filho de Josefina, torna-se genro do rei da Baviera. É um delírio de snobismo monárquico que, ainda hoje, muitos historiadores têm dificuldade em compreender num homem inteligente como Napoleão. Com dezasseis estados alemães constitui a Confederação do Reno e, com algumas províncias polacas, cria o grão-ducado de Varsóvia, ambos dependentes da França. A arquitectura das fronteiras políticas modifica-se ao sabor da sua criatividade. Quando, mais tarde, em Santa Helena, lhe perguntam qual foi o período mais feliz da sua vida, responde: "Talvez o de Tilsit... Sentia-me vitorioso, ditando leis, rodeado de uma corte de reis e de imperadores." Mas o glorioso edifício do Império começava a abrir fendas.

O CREPÚSCULO DO IMPÉRIO

Em 1806 procura debilitar a resistência britânica. Decretara o bloqueio continental: encerramento de todos os portos do continente aos barcos ingleses. Portugal não aceita o bloqueio e o imperador, sob o pretexto de ocupar este país, invade a Espanha e coloca no trono o seu irmão José, até então rei de Nápoles. A resistência ibérica à ocupação napoleónica dá lugar à Guerra Peninsular. A Corte portuguesa desloca-se para o Brasil (1807). Facto que virá, 15 anos mais tarde, a motivar a independência brasileira. A Áustria não aceita também o bloqueio continental, mas os seus exércitos são mais uma vez vencidos em Wagram (1809). O imperador, que se divorcia de Josefina por esta não lhe dar descendência, casa com Maria Luísa, de dezoito anos, filha do imperador austríaco derrotado. Não foi uma decisão fácil. Napoleão ama verdadeiramente Josefina, apesar das suas "extravagâncias". Porém, convencida pela argumentação de Fouché e de seu filho Eugène, ela própria insiste nesse "sacrifício pessoal a favor dos interesses do Estado". Conserva o título de imperatriz, uma pensão de dois milhões e Malmaison.

Entretanto, a Rússia, prejudicada pelo bloqueio continental, decide romper o tratado de Tilsit e restabelece as relações comerciais com a Grã-Bretanha. Em 1812, para subjugar o czar, Napoleão reúne um exército de 675 000 homens, a Grand Armée, e invade a Rússia. Os Russos vão recuando, evitando combater e Bonaparte vê-se forçado a ir penetrando no interior do território. Após algumas batalhas não decisivas, o imperador encontra, em 7 de Setembro, o exército russo entrincheirado em Borodino. As perdas de ambos os lados são numerosas, o resultado da batalha não é claro, mas Napoleão pode vencer se utilizar as forças de reserva. Não se decide e os generais estão furiosos com este sintoma de fraqueza. A que se deve esta hesitação? Entre a Grand Armée e a França há um imenso território. E se, nas suas costas, a Alemanha e a Áustria se voltam contra ele? Por isso, dirige-se para Moscovo. À noite, a cidade "arde como uma tocha", pois os russos (ou os saqueadores franceses), incendiaram-na. Apesar disso, Napoleão, afirma que "Moscovo constitui uma excelente posição política" para negociar a paz. E enquanto espera, reorganiza a Comédie Française, através de um decreto assinado ali, entre as ruínas fumegantes de Moscovo. Escreve ao seu bom amigo, o czar Alexandre, não recebendo resposta. Oferece a paz ao general Kutuzov. É recusada. Agora só lhe resta retirar. As tropas francesas encontram-se isoladas nas estepes, acossadas por temperaturas inferiores a -30º C, e sem abastecimentos. Retirando em condições infra-humanas, apenas 18 000 sobreviventes chegam à Polónia.

OS ÚLTIMOS ANOS

O fracasso da campanha da Rússia incita os inimigos de Napoleão a aliar-se e a dar-lhe batalha. Em Leipzig, na chamada Batalha das Nações, em 1813, as tropas francesas são derrotadas pelos austro-russos. "Só o general Bonaparte pode agora salvar o imperador Napoleão", diz ele próprio. Mas engana-se. Pouco depois, 600 000 russos, alemães e ingleses invadem a França e, em Março de 1814, entram em Paris. Ao saber que José capitulou ante os generais inimigos, comenta "Que cobardia!", e acrescenta "Desde que eu não esteja, só fazem disparates." Abandonado pelos seus marechais, vê-se obrigado a abdicar e é desterrado para a ilha de Elba. A grande aventura parecia ter chegado ao fim.

Napoleão cai e Luís XVIII restaura a dinastia bourbónica. As dissensões surgidas no interior do país levam-no a regressar a França. No dia 20 de Março de 1815 entra triunfalmente em Paris. Confrontadas novamente com os exércitos aliados (Grã-Bretanha, Áustria e Prússia), são as forças napoleónicas definitivamente derrotadas em Waterloo pelo general Wellington, em 18 de Junho de 1815. O imperador entrega-se aos Ingleses e é por estes deportado para Santa Helena, uma pequena ilha perdida no Atlântico sul, "para lá de África", como dizem os seus carcereiros. Ali, sozinho com as suas reflexões, dirá: "O infortúnio também encerra glória e heroísmo. Se tivesse morrido no trono, com a auréola da omnipotência, a minha história ficaria incompleta para muita gente. Hoje, mercê da desgraça, posso ser julgado por aquilo que realmente sou."

Em 5 de Maio de 1821, com uma violenta tempestade assolando a ilha, Napoleão morre, segundo a opinião do médico que o assistiu, não de um cancro no estômago, como seu pai, mas de uma úlcera provocada por uma má dieta e, sobretudo, pela ansiedade. Um antigo companheiro de armas envolve-o no capote que usou na Batalha de Marengo.

Por: Carlos Loures.

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