A Pedra da Audiência - Avintes (V.N.Gaia).


Uma mesa larga de granito, ladeada por dois bancos e enca­beçada por outro mais alto, atrás do qual se ergue majestoso e frondoso um velho sobreiro. Gravada na pedra da mesa encontra--se a data de 1742, ano em que a Pedra da Audiência no lugar de Quintã foi erigida. Único monumento do género em Portugal, foi por decreto de 20 de Agosto de 1946 classificada, com o seu inseparável sobreiro, imóvel de interesse público.
Antes de existir a Pedra da Audiência, os julgamentos ter-se--iam efectuado nas igrejas e mais tarde nos adros e pousadouros a partir de 1724 passam a realizar-se ali. No entanto, Avintes aspira a uma casa do concelho e é então que, por volta de 1830, o pro­curador da freguesia e couto de Avintes apresenta às instâncias superiores o seguinte pedido:"Diz Joaquim Pinto Aleixo, actual Procurador da freguesia e couto de Avintes, que havendo no dito couto um Juiz Ordinário, com Procurador e seu Escrivão e Oficial de Jurado, tendo o dito Juiz obrigação de fazer Audiência de 15 em 15 dias às Partes, não ha casa, vulgarmente chamada do concelho, para n'ela se fazer audiência às Partes, havendo para o destino da Audiência uma pedra em forma d'uma meza, colocada debaixo de duas árvores, com tres assentos de pedra ao lado, e ali se faz Audiência de 15 em 15 dias, de sorte que quando chove e muito principalmente no inverno está a Justiça exposta ao rigor do tempo; e he esta a inde­cencia e estado em que se acha o local da Audiência; pretendia por isso o sup.te que V. Mag.e lhe fizesse a Graça de Provisão, para das sobras do Cabeção da Sisa do Conc.o de V. N. de Gaya a que he annexo o Couto d'Avintes, se mandasse edificar por essas sobras uma casa de Audiência no dito Couto, pelo que: P. a V. Magestade se digne mandar fazer a Graca que implora. E.R. M.e".

O pedido foi apreciado na sessão da Câmara do Porto de 6 de Março de 1830 que o indeferiu, alegando que o concelho de Gala necessitaria muito mais duma obra como essa, devido a ser um aglomerado de freguesias. E assim continuou a justiça em Avintes, a sofrer as provações do tempo.Desde sempre o poder central exerceu a justiça através do tribunal superior, a cúria ou o tribunal da corte, porém, logo nos surgem os meirinhos ou corregedores que, como governadores das terras, tinham a prerrogativa também de fazer cumprir as leis.A vontade do povo administrar a justiça esteve sempre em confronto directo com o prepotente desejo de centralização da monarquia. Por isso, durante toda a Idade Média os municípios foram o reduto onde o povo defendeu os seus direitos e a sua ' cidadania. A existência de juizes populares, como sejam os juizes eleitos, os juizes ordinários ou juizes de paz, todos eles eleitos pelo povo, prova que a justiça já esteve realmente nas suas mãos.
Os juizes eleitos, escolhidos pelos homens-bons dos concelhos, eram também conhecidos por alcaides e alvazis, não eram técnicos de Direito, julgavam de acordo com o seu conceito de justiça directa, com a sua experiência, bom-senso e conhecimento que tinham das pessoas, não recebiam qualquer remuneração. Com a reforma de Passos Manuel, as comarcas dividir-se-ão em julgados e estes em freguesias, cada uma com o seu juiz, o qual, julgaria as causas cujo valor não ultrapassasse os 1$250 réis.Os juizes ordinários desempenhavam as suas funções nos Julgados Ordinários "...era como uma espécie de 1 a Instância, que julgava qualquer questão cível ou crime, que não excedesse a alça­da do Juiz de Direito; e fazia o preparatório de todos os processos, que seguissem a Instância superior. O pessoal deste Tribunal era um Juiz com o título de Ordinário, o qual podia ser um homem leigo; um sub-delegado, que representava o Ministério Público; e dous Escrivaens".
A partir de D. Manuel foram instituídos os juizes de fora ou juizes do rei, os quais já tinham existido por nomeação de D. Afonso III. Eram homens da sua confiança, deviam ser licen­ciados ou bacharéis numa das faculdades de Direito e usariam uma vara branca para os distinguir dos juizes ordinários, que trariam uma vermelha. A competência técnica dos primeiros em relação aos segundos é incontestável, pois estes muitas das vezes eram analfabetos.A instituição popular sofre assim, nesta altura, um rude golpe e o afastamento da justiça das populações é inexorável, cada vez ela se vai tornando mais burocrática e centralizadoramente cega. De 1776 a 1810 os juizes ordinários vão sendo gradualmente substituídos pelos juizes de fora.Os juizes de paz são os sucessores dos antigos almotacés, de origem árabe. A estes competia "...a conciliação das partes em demanda, empregando para isso todos os meios que a prudência e a equidade lhe sugerissem, fazendo ver às partes os males que lhes resultariam das demandas, abstendo-se de empregar algum meio violento ou caviloso, sob pena de responsabilidade por perdas e danos, e por abuso do poder". (2) As funções destes juizes facil­mente ultrapassam os limites da freguesia, estendendo-se aos do circulo (conjunto de freguesias). O julgado de paz de Avintes incluía Oliveira do Douro e Vilar de Andorinho.O julgado de Avintes será extinto por decreto, em 29 de Junho de 1886 e a substituição do juiz ordinário pelo juiz de paz deu-se a 1 de Junho de 1889.

Em relação ao couto de Avintes em 1758:

"Tem juiz ordinário por vottos e eleiçam do Povo, que faz e confirma o Excelentíssimo Conde ou o seu Procurador como Domnatário a quem passa carta de ouvir deferindolhe Juramento, e entregando alvará a quem há-de servir o Anuo... cujo juiz conhece das Caujas civeiz com alçada dando apelaçam, e Aggrávo para a Relaçam do Porto a cuja Comârca pertence o crime, e couzas de mayor alçada".
Através deste excerto compreendemos que o conde donatário do couto, terra isenta de hoste e defossado, dispõe da jurisdição civil e criminal, delegando essa função, a maior parte das vezes, no juiz ordinário, também designado, consequentemente, de juiz do conto.Gondim conta-nos que as "audiências faziam-se às quartas-feiras, pelo meio-dia. No banco mais alto costumava sentar-se o juiz do couto, em­punhando a sua vara vermelha, enquanto o escrivão escrevia so­bre a mesa, e o mei­rinho apregoava as arrematações"."Em 1829 reque­reu o Juiz do Couto d'Avintes ao governo a edificação de uma cadeia nesta fregue­sia e Couto", mas tal não veio a acontecer pois "... se esta casa de correcção podia prestar alguma utili­dade a uma fregue­zia... muita mais pres­taria a um Concelho, como o de Gaya, que he um aggregado de freguezias..."O último juiz do couto a dar audiências foi Francisco Rato de Quintã.
A Pedra da Audiência constitui pois, o exlibris de Avintes e é um monumento de grande importância histórico-arqueológica, símbolo de tempos áureos da nossa freguesia e reduto da vontade e justiça populares.
Cumpre-nos, portanto, zelar pela sua conservação e promover a animação deste conjunto arquitectónico, pois viver a história é preciso!
Não seremos os primeiros, nem esperançosamente os últimos. Em 1936 foram feitas algumas obras de conservação neste monu­mento dirigidas pelo arquitecto Manuel Marques. Mais tarde, em 1942, uma comissão integrando avintenses como o Dr. Alves Pereira e outros organizaram um magnífico cortejo etnográfico com a participação do Grupo Mérito Dramático Avintense, Rancho Folclórico das Padeiras de Avintes, Rancho das Ceifeiras, grupos de moleiros, pescadores e raparigas com as suas vistosas capas de missa. Culminou essa tão valorosa iniciativa com o descerramento de uma placa de mármore comemorativa do bicentenário da Pedra da Audiência.
Não só imagética, mas literalmente, a justiça tombou com as agruras do tempo. No dia 25 de Abril de 1961 o vetusto e velhinho sobreiro é derrubado por uma rajada de vento que arrancou impiedosamente as raízes seculares dum passado glorioso de independência e autonomia. Passado algum tempo, um outro foi plantado para dar continuidade à história, à sombra do qual outras sessões já decorreram.
No ano de 1992, no dia 5 de Setembro, comemorou-se os 250 anos da Pedra da Audiência com o descerramento de uma placa evocativa de avintenses ligados à conservação do monumento, e a representação, por actores avintenses, do Auto Teatral "Reconstituicão dos Julgamentos na Pedra da Audiência-Avintes" versão livre de J. Costa Gomes. Esta iniciativa integrava-se no III Fórum Avintense levado a cabo pela Junta de Freguesia.É absolutamente fundamental reviver a história, e a prova de que muitos avintenses o farão de alma e coração foi a adesão que esta representação do dia 5 de Setembro obteve. Às 19.30, duas horas antes do início do espectáculo, já não se rompia no meio da multidão que se concentrara no local, bem à frente, para ultrapassar as barreiras do tempo e assistir a cenas da sua memória colectiva.

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